Desculpa, mas eu não consigo. E espero que um dia, tu, que estás aqui agora, olhes para mim e percebas o porquê de nunca conseguir ficar no mesmo sitio. Imovél. De corpo hirto e lábios pressionados um no outro. Parar implica silêncio.
Apetece-me dizer que hoje choveu. Que está a ficar cada vez mais frio. Apetece-me dizer que hoje jantei frango com batatas fritas. Apetece-me dizer tudo o que penso, nada que sinto. E tu, tu olhas para mim com esse teu ar. Olhos negros, como o fundo de um poço, e vazios. A minha voz faz eco na tua cabeça.
Tu não te interessas pelas palavras que digo. Nem ligas à forma com que articulo o meu vocabulário made in china. Simplesmente não te importas. Deixas que eu fale e te diga tudo o que me lembro. Não reclamas. Dizes, somente, que as paredes têm ouvidos. E eu canto, que elas parecem tão igualmente vazias como o teu olhar.
Mas houve um dia que me mandas-te parar. «Não consigo perceber nada do que dizes. Nada faz sentido.» li, quando estava a percorrer a cor morta dos teus olhos. Tinhas demasiado de mim na tua cabeça, também.
Então, recolhi o meu corpo para trás, cedendo ás tuas palavras. E tu ficaste ali a olhar para mim. Como se me visses pela primeira vez.
Eu sorri. E fui-me embora. Numa caminhada lenta. E agora estou a espera que me chames... quando chegar o dia em que te esqueceste da tonalidade e leveza da minha voz nos teus ouvidos.
* Até lá, sou apenas a voz de uma memória a passear na tua mente e a balançar de acordo com o movimentos do teu corpo.
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